Depois da farra que fizemos no dia do anúncio do resultado, os dias foram passando cada vez mais rápido. Nesse meio tempo, Lucas resolveu pentelhar a Emily, pedindo doces toda vez que a encontrávamos. Ai, que vergonha! Ainda bem que ela não parecia se importar, pelo contrário, achava divertido dar uma de boa samaritana. Como era legal estar ao lado dela. Sempre tínhamos assuntos para conversar e passeávamos quase todos os dias. Em um desses passeios, fomos até Port Ka, um restaurante que servia comidas exóticas com preço sem exageros.
Eu e Lucas nos acostumamos com a vida em Denaly. Às vezes sentia saudades do tempo que morava em Brywood e comia as deliciosas balinhas verdes que nossa mãe fazia para nós e sentir o cheiro de litoral que ali havia. Deveria focar no meu objetivo que é encontrar os meus pais. Se eles não tivessem me abandonado, penso que tipo de vida poderia ter tido por aqui.
Nessas conversas com Emily, ela me contou sobre a tragédia que abalara a sua família:
-Não imaginas como a história de minha família é dramática. Quando minha mãe e meu tio Edward iam para a casa dos meus bisavôs, sofreram um grave acidente de carro que acabou na morte do irmão da mamãe. Ela ficou profundamente abalada. E para piorar, teve o sequestro de minha irmã, Victoria. -suspirou.
-Deve ter sido horrível mesmo. Mas me diga, como é que aconteceu esse sequestro?
-Bem, eu tinha três anos. Lembro-me perfeitamente o que acontecera naquele dia. Nós estávamos indo para o antigo Colégio Dartmounth e quando chegamos ao portão, de repente apareceu um cara todo encapuzado e pegou a Victoria. Tentei gritar por socorro, mas alguém bateu na minha nuca e fiquei inconsciente. Quando acordei, vi que estava no hospital. Chorei tanto nesse dia que até hoje, sinto-me culpada por esse sequestro. Minha mãe diz que não tenho culpa, mas uma coisa dessas, acaba traumatizando a vida de qualquer criança, não acha? -afirmou, quase chorando.
-Não chore! Eu prometo não tocar mais nesse assunto! -disse com convicção.
-Tudo bem. É que hoje faz exatamente 13 anos que Victoria fora sequestrada...
-Só não entendi como você era capaz de se lembrar perfeitamente o que aconteceu aos três anos de idade...
-Ah! Isso porque eu e Victoria éramos super-dotadas. Tínhamos habilidade para compreender livros complexos, aprender outros idiomas, além de fazer cálculos complexos.
-Oh! -exclamei.- Por isso que você é tão inteligente. Não é à toa que tira notas perfeitas e ganha medalhas de ouro nas olimpíadas de matemática, física, robótica...
-Nem tanto! Victoria era bem mais inteligente que eu. Tu não sabes como...
-Nossa! Nem consigo imaginar alguém mais inteligente que você.
-Pois podes imaginar. -disse com orgulho.- Por que não vens almoçar até a minha casa? Pelo menos eu esqueceria desse dia triste e tu poderás ver o desenho que minha irmã fez aos três anos...
-Aceitarei com prazer! Será que Lucas pode ir? Não quero deixá-lo sozinho...
-Sim, mas com uma condição!
-Qual?
-Que ele não peça doces hoje.
-Vou falar para ele.
-Okay!
Chamei Lucas que estava brincando no playground da praça e expliquei para ele a condição imposta por Emily. Milagrosamente meu anjinho aceitara sem pestanejar. Finalmente estava crescendo e se comportando adequadamente.
II
Seria divertido ir até a casa de Emily. Finalmente conheceria a mansão da família Von Weber, que dizem os boatos, ocupava dois quartos de Denaly. Acredito que nem um dia conseguiria visitar todos os 300 quartos da casa dela. Mas é claro, isso se deve à enorme influência delas no mundo dos negócios. Diziam que eram tão ricos que possuíam ilhas particulares, castelos e mansões espalhados pelo mundo. Isso sem contar que possuíam título de nobreza. Pelo que Emily me contara, antigamente a família dela possuía um ducado, que fora perdido após ter se integrado ao estado do Reino de Baviera, atual Alemanha. Como não se conformaram com a perda, mudaram-se para a Inglaterra, onde conseguiram enriquecer novamente e tornaram-se aliados essenciais da Família Real Britânica. Muito impressionante!
Assim que aceitei o convite e Lucas prometera comportar-se, Emily pegou o celular e chamou seu motorista particular para nos buscar. Em menos de dez minutos, aparecera uma enorme limusine dourada. Entramos, ainda com cara de abobalhados ao ver todo aquele luxo. Era muita emoção para mim e para meu irmão.
Emi pediu para o motorista dirigir lentamente, aproveitando então a ocasião para nos mostrar tudo o que havia no carro. Demoramos meia hora até chegarmos a mansão dela. Quando descemos, estávamos tão zonzos com tanta extravagância que nem conseguíamos mais processar o nosso cérebro. Minha amiga chamou uns vinte empregados só para nos socorrer. Ficamos mais sufocados com a afobação deles. Até parecia que o ambiente esquentou 10 graus Celsius com aquela confusão a que estávamos metidos. No fim, Emily nos levou até a sala de estar onde nos deitamos e conseguimos nos acalmar.
A Sra. von Weber apareceu logo em seguida, vestida de luto, com olhos lacrimejantes. Sentimos até mal em vê-la assim.
-Filha, não imaginas como fiquei preocupada! Margalou tinha me dito que havias saído, mas pensei que poderia...
-Estou bem sim, mamãe! Não chora! Assim fico triste. -abraçou-a.
Ficamos em silêncio por um minuto.
-Vejo que trouxeste tua amiga e esse garotinho fofo. -olhou-nos ternamente.- Pelo menos eles vão alegrar o dia.
-Sim mamãe! -respondeu.- Cadê a Margalou? Ela não deveria estar contigo?
-Ela foi comprar teu vestido para a festa dos Cellenium. Deverias ver como ela ficou preocupada ao constatar que tu não o compraste até agora.
-Ah, mas eu tinha dito a ela que ia comprar amanhã... -murmurou.- Agora não tem jeito de impedi-la. Se não gostar do vestido, darei um jeito de personalizá-lo.
-Filha, não deixa teus convidados sozinhos. Vai conversar lá no jardim, enquanto Alfred prepara o almoço.
-Sim, mamãe!
Emily nos convidara até o jardim. Lá era possível ver as fábricas Weber e o Instituto Medic, e o mais legal, a Blue Forest, que se tornara minha floresta favorita. O jardim dela era mesmo enorme. Tinha uma fonte, piscina, diversas árvores, arbustos e flores e até uma estufa. Ao fundo parecia que havia campo de golfe, quadras de esporte, uma outra mansão, um mini parque de diversões e etc. Só de ver para tudo aquilo, fez-me lembrar do Riquinho. Como adorava assisti-lo na minha doce infância...
-Soph, vê como é lindo esse desenho da Victoria! -disse orgulhosamente, entregando-me um papel meio amarelada, que continha um desenho de roupa completamente metálica e coberta por lindos tons azuis no bracelete.
-Nossa! Nem parece desenho de criança de três anos.
-É... Eu até que desenhava bem, mas o meu nem se comparava com a riqueza de detalhes dela...
-Mas vocês duas são talentosas mesmo! -afirmei.- Nem mesmo eu conseguiria criar uma peça original como essa.
-Chegaste a desenhar roupas? -perguntou-me Emily, surpresa.
-Sim, mas nem queira ver. Eram simples demais. Desenhava-as para minhas bonecas e depois mandava a minha costureira fazer. Era só por brincadeira mesmo. Nunca fui uma Emily da vida -acrescentei.
-Vindo de ti, tenho certeza que devem ser maravilhosas! -disse, confiante.- Confia mais em ti mesma!
-Tem razão! Não deveria me rebaixar, né?
-É óbvio! Segue meu exemplo!
-Okay, mas só em alguns pontos... -ri.
Depois daquela conversa, Emily me apresentou os dois cachorros que ela possuía: Duque e Duquesa, cuja raça era Golden Retriever. Pareciam bem simpáticos, além deles serem lindos.
-Este é Duque, o destemido e esta é Duquesa, a nobre. Não são uma graça? Eu e Victoria ganhamos quando tínhamos dois anos de idade. -disse com ar de nostalgia.- O Duque era meu e a Duquesa era de minha irmã.
-Como são fofos! -acariciei-os.- Duquesa ainda se lembra de sua dona? -perguntei.
Duquesa retribuiu o meu carinho, o que surpreendeu Emily:
-Que estranho! Duquesa nunca gostou de estranhos. -disse, intrigada.- Contigo ela está se comportando muito bem.
-Não sabia! -exclamei.- Ela parece tão gentil...
-Antes, ela era gentil. Depois do sequestro de Victoria, nunca mais fora a mesma. Tinhas que ver como tratava mal os visitantes... -disse perdida em seus pensamentos.
-Filha, já está na hora de almoçar! -disse Marcella, aparecendo de repente no jardim.
-Sim! Vamos, Soph?
-Vamos... Cadê o meu irmão? -perguntei preocupada.
-O teu irmão está na sala de almoço. Até agora há pouco estava beliscando uns doces... -disse Marcella, contendo-se para segurar risos.
-Que vergonha! -exclamei.- Desculpe-me pela falta de educação de meu irmão!
-Não se preocupes! É bom estarmos cercados por um ambiente familiar. -disse Marcella, sorrindo gentilmente.
-Já que sabemos onde teu irmãozinho está, agora vamos lavar as mãos! -disse Emily.
O almoço decorrera normalmente. Não pude deixar de admirar a sala de almoço: O ambiente era bem claro devido à luminosidade vinda da janela, a mesa e as cadeiras eram de carvalho (por que será que o pessoal de Denaly e de Durco gostam tanto desse tipo de madeira?) e o lustre, localizada no centro da sala, destacava-se por conter alguns diamantes em sua volta.
Numa ocasião, a Sra. von Weber aproveitou para nos contar sobre os seus negócios e sua relação com a Emily. Não pensava que ela tivesse esse outro lado: de uma mulher competente e de uma mãe super-protetora para com a filha. Aquilo me surpreendeu mais do que o excesso de luxo que as duas viviam.
-Aquela última sessão de fotos que tu fizeste foi esplêndida! -disse Marcella.
-Foi mesmo. Tudo graças ao Gander...
-Pelo que ouvi das críticas, ele é bem competente...
-De fato! Devo muito a ele.
Continuamos a conversa durante todo o almoço, até Marcella nos convidar para visitar a fábrica aquela tarde:
-Aceitarias?
-Será uma ótima oportunidade! Sempre ouvi falar que sua fábrica produz as melhores linhas de roupas e acessórios do mundo... Por acaso é verdade que vocês produzem acessórios de metal?
-Sim! Verás mais tarde que é verdade!
Assim que finalizamos o almoço, fomos a pé até à fábrica . Quando entramos, tive a sensação de estar entrando no Instituto. Talvez pela semelhança da decoração e pela sensação de harmonia que nos proporcionava. Marcella foi nos apresentando cada secção da fábrica, bem como suas funções. Em uma delas, mostrou-nos algumas matérias-primas utilizadas para a fabricação dos acessórios, tais como metais nobres, madeira e carvão. No final, nos levou até o escritório, onde havia exposições de alguns modelos de roupa:
-Soph, essas roupas foram criações minhas! -disse Emily, bastante orgulhosa.- Esse modelo foi criado quando tinha treze anos e hoje é a grande sensação de Denaly. Todo mundo usa.
-Que lindos! Agora entendi porque todos usam modelos parecidos com os seus. Você realmente tem talento nato! -acrescentei.
-Modéstia à parte, eu sou demais! -vangloriou-se.
Passamos o resto da tarde vendo alguns modelos que Emily criara quando era mais nova. Deste modo, o dia acabara e faltava somente uma semana para o fim das férias. O que será que me aguardava no Instituto? Será que faria novos amigos por lá, além da Emily? Só viria a saber isso mais tarde.