Viver em Brywood sempre foi uma dádiva para mim. Talvez porque lá eu encarasse a vida mais facilmente e os problemas não me atormentassem tanto.

Ah, se eu pudesse adivinhar o que estava para acontecer... Mon Dieu! Por que isso foi acontecer? Por quê?

Naquele dia fatídico, estava esperando Lucas em frente a minha antiga escola primária North Wood. Por algum motivo, sempre que eu olhava àquele prédio, as minhas lembranças daquele tempo se projetavam ao meu redor, como se eu voltasse àquela época não tão remota.

Sentia alguém me chamar. Uma voz distante, quase que irreconhecível. Quem me chamava naquele lugar onde só havia crianças brincando antes de suas aulas começarem? Quem? Sentia que essa pessoa estava se aproximando de mim. Estava quase o enxergando. Aquele rosto... Por que será que já o havia visto de algum lugar? Será que ele era...

-Soph? -chamou-me atenção, o meu irmão mais novo Lucas.- Você está me ouvindo, minha Sapinha? -ganhei esse apelido de meus amigos e familiares por saberem que eu amo enfeites de sapo.

-Oh, desculpe! Estava perdida em meus pensamentos... -e que pensamentos!- Mas... não acha que se atrasou, hein?

Lucas tinha uma feição tão angelical que aparentava ser mais novo e frágil do que parecia, apesar dele ter apenas 12 anos e estar cursando o 7º ano.

Mas como eu tinha ensaio naquele dia, Lucas devia me acompanhar até o estúdio. Então, ficamos conversando sobre várias coisas enquanto estávamos andando até o estacionamento:

-Ah, esqueci-me que a Super Modelo Internacional Sophie Smith não pode se atrasar pas une minute -disse com muito ênfase- para o seu grande ensaio de moda... -mostrou-me a língua.

-Engraçadinho! -mostrei a língua também- Peço-te somente uma coisa: Não vá pedir doces para ninguém, ouviu?

-Prometo-te! -cruzou os dedos.- Por que tenho que te acompanhar? Você sabe que eu odeio ficar fazendo nada por lá! -fez-me uma cara feia.

-Você sabe que a nossa mãe está na quimioterapia... -como ela possuía um câncer letal, tinha que se submeter a várias sessões de quimioterapia.- Não quero que fique sozinho em casa! Você vai me acompanhar e ponto final! -pausei e mudei logo de assunto- Ai, ai! Amo-te meu anjinho!! -olhei ternamente para ele.

-Quantas vezes já te pedi para não me chamar assim? Eu já tenho 12 anos! Portanto não sou mais criança!- fez uma carinha brava.

-Certo! Vamos logo! -ignorei a revolta dele.

Finalmente chegamos ao estacionamento. Lá estava o meu Mini Cooper vermelho com listras brancas, que me fazia lembrar da bandeira de minha pátria, a Inglaterra. Mais um ano e eu poderia dirigi-lo... Ah... era um mimo, mas Lucas discordava de minha opinião:

-Não tem vergonha de andar nesta coisa? Ele chama muita atenção... -disse com cara de indignação.

-Não chame o meu carro de coisa! Qual é o problema dele? Ele é um mimo! -repreendi-o.

Ao nos aproximarmos do carro, o nosso motorista Cheff estava nos esperando. Ele imediatamente guardou os materiais de Lucas no porta malas e pediu para que entrássemos no carro.

-Soph... posso te perguntar uma coisa? -perguntou-me o meu anjinho que estava ao lado.

-Sim, estou te ouvindo.

-Por que você não é parecida com a mamãe? Sabe... os meus amigos ouviram boatos de que você é adotada...

Mas que pergunta foi aquela? Como aqueles fofoqueiros têm a coragem de espalhar esses boatos sem fundamento a meu respeito?

-Como pode pensar isso de mim? -disse rispidamente.- É claro que não sou adotada! Eu sou sua irmã e você sabe muito bem disso!

-Fico aliviado! -suspirou.- Nunca te trocaria por ninguém deste mundo! -disse encostando a cabeça no banco e quase se preparando para fechar os olhos.

Nesse momento, percebi que Lucas estava dormindo. Enquanto que o nosso motorista estava nos levando até a produtora, comecei a pensar na minha vida.

II

Cheguei à produtora com muito atraso. Gander apareceu logo em seguida para me dar uma bronca daquelas. Isso no que dá, eu querer dar uma de irmã super protetora e de modelo internacional ao mesmo tempo. Mas no final consegui realizar o ensaio, o que aliás foi excepcional, se não fosse a astúcia de Gander. Sem dúvida, ele fora magnífico. Graças a isso, senti-me confiante o suficiente para tirar belíssimas fotos. Tenho certeza de que minha mãe e Gander iriam adorar! C'est formidable!

Falando nela, pressentia dentro de meu coração que algo de ruim estaria para acontecer. Não estava enganada quanto a isso. Foi logo depois que eu entrei no meu camarim e senti que o clima estava muito pesado. E pela expressão de Gander já previa o que ele iria falar:

-Soph, a Dulce me ligou e... -interrompeu.- Por falar nisso, faça o favor de ligar o celular, tá?

-Tá! E então, o que ela te informou? -perguntei apreensiva.

-Parece-me que a sua mãe teve uma parada respiratória e foi parar na UTI.

Por um momento, não enxergava mais nada a minha volta e somente via um breve flashback dos momentos que estive ao lado dela.

Gander acrescentou:

-É melhor você vê-la! -expressou-se com a mesma angústia de antes.

Segui o conselho dele e a primeira coisa que fiz foi pegar os meus objetos pessoais e voltar para casa. Assim, eu e Lucas fomos até a entrada, onde Cheff estava nos esperando:

-Cheff, leve-nos até a nossa casa! -ordenei.

-Imediatamente! -Cheff era também marido de Dulce. Eles se davam muito bem e era um casal bem unido.

Lucas queria me acompanhar, mas provavelmente ele não suportaria ver o sofrimento de nossa mãe naquele estado que ela se encontrava. Enquanto estavámos a caminho de casa, eu não conseguia pensar em outra coisa a não ser na minha mãe.

Em menos de uma hora, estávamos em casa. Cheff abriu a porta para nós e assim que ele fechou-a novamente, pedi-lhe um favor:

-Cheff, você poderia cuidar de Lucas enquanto eu estiver pernoitando no hospital?

-Sim, senhorita! -assentiu.- Não se preocupe! Ele estará em boas mãos! -acrescentou.

Sentia-me aliviada em saber que podia contar com a ajuda dele.

-Ah -exclamou Cheff.- o seu pai esteve aqui e...

-Depois você me fala sobre isso, Cheff! -interrompi-o abruptamente.- Preciso pegar as roupas da mamãe e me arrumar um pouco! -acrescentei.- Vejo-te mais tarde! -tudo o que menos queria era ouvi-lo falar do meu pai.

 

III

Tive sorte em chegar ao hospital antes de anoitecer. Fui até o quarto onde ela estava. Assim eu entrei e vi o estado dela. Minha mãe parecia muito abatida e seu sofrimento estava visível em seu rosto marcado pela dor e pela tristeza. Isso tudo começou quando ela descobriu que possuía um câncer letal, e consequentemente, devido à letalidade da doença, não podia ficar exposta às radiações solares e portanto, o seu quarto vivia escuro, com cortinas fechadas. Desde que mamãe ficara doente, meu pai nunca mais dormiu ao lado dela e isso a deixara muito abatida.

Dirigi-me em direção às janelas e abri um pouco as cortinas, permitindo assim, a entrada de luminosidade naquele quarto escuro e carregado de más energias. Ainda tinha esperanças quanto à recuperação da mamãe, não que eu realmente achasse que ela logo voltaria para casa, mas caso houvesse melhora em seu quadro, ficaria feliz. Eu já sabia que a qualquer momento ela poderia morrer, a julgar pelo seu estado gravíssimo, infelizmente.

Sai do quarto de mamãe e fui me arrumar um pouco no toalete. Tinha que me preparar para passar a noite lá, pois se eu não ficasse, provavelmente iria me arrepender pelo resto de minha vida.

Desse modo, voltei ao quarto e lá estava o médico, analisando as condições dela. Dirigi-me a ele, com a intenção de saber o quão gravíssimo era o estado de saúde dela:

-Doutor, ela vai melhorar logo? -perguntei, ao mesmo tempo em que estava pegando a mão de minha mãe, que estava desacordada por causa dos sedativos.

-Para ser sincero minha cara Sophie... -já imaginava o que ele ia dizer- sua mãe está em um estágio em que já não é mais possível fazer nada, a não ser que aconteça um milagre para salvá-la deste sofrimento. -respondeu-me o doutor um tanto decepcionado.

Naquele momento a minha estabilidade emocional se esvaiu, restando apenas o meu desespero.

-Em suma, minha mãe vai morrer? -perguntei estremecida.

-Lamento te informar essa triste notícia. -respondeu fechando os olhos, confirmando assim o atestado de morte de minha querida mãe.

O médico saiu logo em seguida. Um silêncio tomara conta daquele ambiente hospitalar por alguns minutos, até que ouvi a porta do quarto se abrir levemente e logo depois, ouvi algumas vozes sussurrando. Provavelmente, o doutor estava conversando com os outros médicos sobre a desgraça de minha mãe. Só de vê-la ali, conectada a vários fios para poder respirar, fez-me chorar e desejar que ela fosse em paz aonde quer que fosse.

Segurei a mão de minha mãe durante um bom tempo, até eu acabar dormindo ao seu lado. Sentia-me confortável estar perto dela. Era um calor aconchegante, que dava vontade de não sair mais de lá.

Passou algum tempo até que ouvi uma voz familiar me chamando:

-Soph? Soph, minha querida, acorde!

-Mamãe? Você acordou? Que bom! -exclamei, surpresa.- Pelo menos você não está mais inconsciente! É bom saber disso. -disse ainda meio sonolenta.

-Sim, minha filha. -sorriu gentilmente.- Podemos conversar?

-É claro! Estou te escutando -abri um sorriso.

-Certo, mas é melhor você ouvir tudo o que vou te dizer agora. A conversa é muito séria. -enfatizou.

-Sim, mamãe! Pode falar! -disse meio ansiosa em saber o que minha mãe tinha de tão importante para falar comigo em seu leito de morte.

Logo depois que eu respondi, minha mãe só começara a falar depois de alguns minutos:

-Sophie, eu tenho consciência de que eu deveria ter te contado isso antes, mas o seu pai me pediu que te contasse quando você crescesse e amadurecesse...

-Mamãe? O que está acontecendo? -interrompi-a.- Que conversa é essa? -estava quase entrando em desespero.

-Minha filha... Quando eu me casei com o seu pai, possuía uma doença muito rara que me impossibilitava de ter filhos. Então o seu pai resolveu que deveríamos adotar uma criança -pausou.- Eu juro que não sabia que seu pai... -interrompeu.- Ele apareceu um dia com você nos braços. -chorou.- Eu não poderia deixar que ele te levasse de volta. -pausou novamente.- Você era tão linda, minha filha... Ai! -sentiu uma pontada no peito.

-Mamãe, você está bem? -manifestei-me preocupada.

-Não se preocupe, minha filha. Logo vai passar. -deu uma longa pausa.- Mas antes que a minha hora chegue, Sophie, a única coisa que eu sei é que os seus pais moram em Denaly e que...

-E o que, mamãe? -perguntei, pegando a sua mão em seguida.- Mamãe?! -gritei histericamente.

 

  

 

Minha mãe morrera naquele instante. Eu acabara de perder a melhor mãe e amiga de toda uma vida. E agora? Com quem eu ia dividir todos os meus segredos sem restrições? Com quem eu passaria as melhores tardes fazendo compras? E com quem eu ia compartilhar a minha vida, a não ser a minha mãe? Nada mais tinha sentido... Nada mais...

 

No longer mourn for me when I am dead
Than you shall hear the surly sullen bell
Give warning to the world that I am fled
From this vile world with vilest worms to dwell:

Nay, if you read this line, remember not
The hand that writ it, for I love you so,
That I in your sweet thoughts would be forgot,
If thinking on me then should make you woe.

O! if,—I say you look upon this verse,
When I perhaps compounded am with clay,
Do not so much as my poor name rehearse;
But let your love even with my life decay;

Lest the wise world should look into your moan,
And mock you with me after I am gone.

Soneto 71 - William Shakespeare __________________________________________________________________________________________________________________________

Mon Dieu!: Meu Deus!

pas une minute: nem um minuto

C'est formidable!: É ótimo!

Soneto 71 - William Shakespeare

Quando eu morrer não chores mais por mim
Do que hás de ouvir triste sino a dobrar
Dizendo ao mundo que eu fugi enfim
Do mundo vil pra com os vermes morar.

E nem relembres, se estes versos leres,
A mão que os escreveu, pois te amo tanto
Que prefiro ver de mim te esqueceres
Do que o lembrar-me te levar ao pranto.

Se leres estas linhas, eu proclamo,
Quando eu, talvez, ao pó tenha voltado,
Nem tentes relembrar como me chamo:

Que fique o amor, como a vida, acabado.
Para que o sábio, olhando a tua dor,
Do amor não ria, depois que eu me for.

 

 

03 - Vida Nova


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